Aqui não se entra. Se chega, se for parte.
Chove 16 horas por dia.
Não por acidente. Não por excesso. Por ritmo.
A floresta amazônica tem sua própria cadência, um compasso que não segue relógios nem satélites. Umidade, decomposição, regeneração. Cada gota que cai sustenta um ciclo complexo, onde fungos, raízes, insetos e folhas dialogam em uma linguagem anterior à linguagem. A chuva na Amazônia sustenta muito mais do que a mata, ela alimenta os chamados rios voadores, correntes de vapor que umedecem todo o continente, e ativa o ciclo do carbono ajudando a regular o clima global. O excesso aparente, na verdade, é equilíbrio. As águas dissolvem matéria orgânica, reciclam nutrientes, e mantém a biodiversidade em constante renovação.
Nesse ambiente que tantos chamam de “inóspito”, a vida pulsa em camadas. Quem chama a floresta de inexplorada talvez nunca tenha escutado o seu tempo, porque ela não se curva à lógica humana, ela não é produtiva nos moldes do capital. Não permite corte limpo, linha reta, nem pressa. Ela exige escuta, adaptação, pausa.
Na Operação Esperança, que mobilizou o resgate das crianças colombianas, vimos o contraste entre dois mundos: helicópteros cortando os céus e soldados tentando dominar um território que não se deixa vencer, enquanto os olhos indígenas liam os sinais que realmente importavam: as sementes mordidas, as pegadas quase imperceptíveis e os padrões no silêncio. Gente que entende o ritmo da floresta, não por querer desbravá-la, mas por saber coexistir com ela. Não a enfrentam, escutam. Não a domam, dialogam. Porque conhecê-la é uma forma de respeito, e sobreviver nela, uma arte ancestral.
O que a mata impõe não é barreira. É sabedoria. Ela protege, justamente, por ser indomável. É assim que se mantém viva.
Chover 16 horas por dia é o jeito que a floresta encontrou de dizer: "Aqui não se entra. Se chega, se for parte."
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